Como fisioterapeuta e especialista em Terapia Manual há cerca de 19 anos, sempre cuidei de muitos pacientes portadores de dor crônica.
Confesso que esse foi um dos gatilhos que me impulsionou no desejo de estudar a mente humana, através da Psicanálise. Afinal, lidar com quadro de dor crônica requer muita sensibilidade, empatia e respeito.
Os portadores de dores crônicas são indivíduos que percorrem diversos especialistas, são submetidos aos mais variados exames, alguns deles dolorosos, caros e invasivos. O caminho da diagnose costuma ser longo e desgastante e, não raro, não se encontra respostas, diagnósticos conclusivos, que justifiquem o quadro de dor.
Na prática, a maioria desses pacientes chega para o tratamento com uma “suspeita diagnóstica de...” síndrome miofascial, lombalgia inespecífica, fibromialgia, enxaqueca, dentre outros.
A literatura que se debruça no estudo da dor costuma abordar uma das teorias mais novas e interessantes sobre o assunto: A NEUROMATRIX DA DOR, de Melzack. Segundo essa teoria, o Sistema Nervoso Autônomo é o responsável por receber, processar e interpretar toda a dor que nos alcança. É importante salientar, que não se trata apenas de uma dor sensorial causada por uma lesão física real, mas também as dores relacionadas ao cognitivo e às emoções. Uma vez processada pelo nosso Sistema Nervoso Autônomo, cada indivíduo pode apresentar uma resposta a essa dor, seja no aspecto sensitivo (com mais dor); seja no aspecto motor (com aumento de tônus e tensão muscular etc); seja no aspecto emocional (com estresse, angústia, ansiedade, tristeza etc).
Na prática, a teoria da NEUROMATRIX DA DOR de Melzack funciona da seguinte maneira: uma pessoa que sofreu um acidente automobilístico, por exemplo, pode cursar com dores físicas decorrentes das lesões sofridas, mas pode também desencadear um quadro de fobia, ansiedade, insônia e, nem sempre, essa correlação é feita. Da mesma forma, um indivíduo que sofreu um dano emocional, como um término traumático de um relacionamento, pode apresentar um quadro de tristeza, mas pode também passar a cursar com uma dor aguda na coluna lombar e não encontrar uma justificativa diagnóstica para o seu quadro.
Isso nos acende o alerta de que sempre precisamos estar muito atentos aos relatos de dor, principalmente aqueles que são muito subjetivos e de difícil compreensão pela equipe médica.
Eu costumo dizer que teoria da NEUROMATRIX DA DOR de Melzack explica muito mais do que o quadro de dor, porque ela nos prova como somos seres integrados e únicos, e como podemos responder de formas diversas aos mais variados tipos de agressão. Isso depende de quem somos, como somos. Depende das nossas histórias, lembranças, crenças e valores. Depende, inclusive, do nosso inconsciente. Ou seja: O seu bodyself (quem você é) dá significado a sua forma de experimentar e responder a essa dor.
Bem, passo a falar agora sobre uma das psicopatologias denominada de TRANSTORNO DOLOROSO. “Este transtorno é caracterizado pela presença de dor não completamente explicada por uma condição médica, não psiquiátrica, associada a prejuízo funcional e sofrimento emocional, e com relação causal plausível com fatores psicológicos.” (Material teórico do Módulo VII do curso de Formação em Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise Clínica)
Volto a pensar no indivíduo que sofre com essa dor. Ele costuma viver, muitas vezes, no limbo da ausência de diagnóstico. Sofre e “perambula” por diversos especialistas, busca respostas em seitas e religiões e, não raro, cursam com um quadro depressivo e um acentuado isolamento social.
Sim, porque a nossa sociedade imediatista e frenética não costuma ter paciência, nem tolerância para esse indivíduo queixoso, triste e com pouco ânimo para os prazeres da vida. Esse indivíduo, muitas vezes, acaba sendo banido, excluído dos círculos sociais. O que acentua o seu sofrimento e seu quadro álgico.
Quero aqui deixar claro que a linha de diferença entre o transtorno doloroso e a dor crônica é muito tênue. Eu diria, até, que elas se “tocam” em alguns momentos. Isso porque, ainda que não se trate de um quadro de transtorno doloroso especificamente, qualquer quadro de dor crônica, sem um diagnóstico preciso, acaba desencadeando sinais e sintomas emocionais e psicológicos nesse indivíduo. Certamente, é um paciente que requer um cuidado diferenciado, respeitoso e empático. Ele necessita de uma equipe interdisciplinar que o acolha na sua dor.
Muitas vezes, o tratamento físico, através de toques, mobilizações e alongamentos, traz um alívio dos sintomas, mas faz-se necessário uma psicoterapia para a abordagem ampla e multidimensional desse indivíduo.
É muito importante que isso seja amplamente divulgado e difundido entre a população em geral. Quanto mais pessoas se apropriarem desse conhecimento e informação, mais pessoas serão auxiliadas. Não é raro que, mesmo profissionais de saúde, desconheçam essa relação e, muitas vezes, tentam trabalhar sozinhos para a remissão do quadro, sem o devido encaminhamento para uma psicoterapia.
Por fim, é importante deixar de estigmatizar esse indivíduo que sofre com o transtorno doloroso e/ou com a dor crônica como alguém que cria e inventa uma situação a fim de chamar atenção ou de se vitimizar. Vamos lembrar que esse indivíduo tem um sofrimento real, ainda que não tenha uma lesão física real e, por isso, necessita de todo cuidado e apoio.
Cristiane Marques
Excelente texto👏🏾👏🏾👏🏾